domingo, 17 de abril de 2011

Legalidade e Humanização da Polícia Civil - Movimento dos Delegados de Polícia de Minas Gerais


Recebi este e-mail de um colega Delegado de Polícia da PCMG.
Estou também participando deste movimento, que une toda a categoria.

Eu, na ALMG, na manifestação dos Delegados!

A carreira de Delegado de Polícia em Minas Gerais teve uma renovação de mais de 50% nos últimos oito anos. E só nos últimos cinco anos, foram mais de 400 novos delegados e delegadas.

É um concurso cada dia mais disputado. Além de provas objetivas, dissertativas e orais, temos provas físicas.

Tem que estar muito bem de saúde, porque depois que a gente entra, tende a?
1 - Engordar;
2 - Voltar a fumar.
3 - Não ter tempo nem animação para frequentar uma academia... 
e por aí vai.

Voltando a falar sério, na verdade cumprimos jornada de trabalho superior à prevista em lei, sem direito a hora extra, sem direito a banco de horas (dependemos da sensibilidade e do bom senso dos superiores imediatos para poder usufruir as folgas devidas decorrentes de plantões de até 24 horas, além da jornada de 40 horas semanais.

E somos o pior salário da categoria.

Em Minas, o Estado que tem o terceiro maior PIB do Brasil!
E paga o pior salário aqueles que temos a responsabilidade não só de decidir, fundamentadamente, mas no calor dos fatos, entre a presença ou não de requisitos de flagrante, entre o cabimento ou não de fiança, entre tantas outras, e ainda, temos que estar dispostos e preparados para colocar um colete, uma arma na cintura e as algemas penduradas, e sair para a rua, cumprindo os aspectos mais duros e perigosos do trabalho!

Sim, eu sabia que era mal pago. 
Sim, eu sabia que era perigoso.

Mas eu continuo porque gosto, porque sou idealista, porque quero ter um pais que se orgulhe da Polícia que tem. 

Posso sair, estudar, passar em outro concurso ou mesmo advogar, e quem sabe, ganhar mais dinheiro.
Mas é como diz o e-mail do meu colega: "se todos (e eu acrescento: todos os bons!) saírem, quem vai melhorar a segurança para os nossos filhos?"


"Meus amigos,
Estamos realizando um movimento pela estrita legalidade e humanização da Polícia Judiciária no Estado de Minas Gerais, através da sensibilização social e política para o grave estado de abandono dos Delegados de Polícia do estado, atualmente, com os piores salários do país e um efetivo menor em 2011 do que era em 2003. Ainda assim, a Polícia Civil cumpriu todas as metas assumidas com o governo no acordo de resultados.
Peço, encarecidamente, àqueles que puderem participar para que utilizem, por algum tempo, a imagem anexa como foto do perfil nas redes sociais (Facebook, Orkut, etc) e ainda repassem esse e-mail para todos os contatos.
O movimento dos Delegados de Polícia de Minas Gerais é pelo cumprimento da lei e pelo fortalecimento da instituição pelo bem da sociedade!!! 


Minha dedicação e luta são pela melhoria da segurança pública para você !!! Se eu fosse pensar em mim, buscaria outro cargo com salários e condições de trabalho infinitamente melhores, mas se todos saírem, quem vai melhorar a segurança para os nossos filhos? Por favor, nos ajude!!" 


 

domingo, 3 de abril de 2011

Pela memória e pela vida: Desarquivando a história viva do Brasil

Esta semana, a Niara de Oliveira está organizando a terceira edição de blogagems coletivas pela abertura dos arquivos da ditadura. As postagens tem sido excelentes, e ao final citarei alguns links. Os autores tem diversas origens, formações e consequentemente, olhares distintos, mas com um único objetivo. Esse texto, lançado na terceira edição, tem mais a ver com a temática da segunda edição, mas o postarei mesmo assim, porque é a temática do meu dia-a-dia.

Fiquei pensando no que eu poderia contribuir. Quem sou eu, na ordem do dia? Ninguem.
Minha experiência, todavia, com a luta pelos direitos humanos, que começou antes da faculdade de Direito, e prossegue enquanto Delegada de Policia, exigiu que eu falasse, nem que apenas para desabafar.


Cena 1 – O ano: 1982. Minha tia, professora da rede estadual, chegando em casa encharcada e assustada. Motivo:  ela participava das manifestações dos professores. Levou gás e mangueiradas dágua. E deu sorte, porque não foi pisoteada por cavalos. Muitas e muitos colegas o foram. Cavalos da cavalaria da PM, a serviço da repressão ,do governador mineiro, Francelino Pereira.

Greve em BH, em 1979
 
Cena 2 – O ano 1992. Dez anos depois, eu, com 15 anos, fui às manifestações pelo impeachment do então presidente Fernando Collor. Meu pai, que não acredita na ditadura, e sim na ditabranda, queria me impedir de ir. Minha mãe, professora também ela (me levara para apoiar aos professores Ramon e Durval Angelo, este atualmente combativo deputado estadual, faziam um protesto pacífico, através de greve de fome, em algum ano da década de 80, pré-diretas) conversou com ele, e fui. Mas somente depois que meu tio, que foi detetive da Civil, e já era aposentado, consultou uns amigos do extinto DOPS/MG, e tomou conhecimento de que não havia nenhuma previsão de intervenção policial ali, que era uma “bobagem desses meninos, deixa prá lá”. 


Cena 3 -  Ano: 2000. Faculdade de Direito da PUC-MG. Intervalo da aula. Um colega, policial militar, de família militar, se envolve comigo em um debate/discussão sobre o uso do termo “golpe” versus o termo “revolução”. O debate só foi aplacado quando a professora da disciplina Sociologia Jurídica chegou, e ao ser consultada, informou que sociologicamente, o termo revolução não se aplicava ao que ocorrera no Brasil em 1964. Explicou que foram poucos os episódios verdadeiramente revolucionários, na história da humanidade, e citou a Revolução Francesa, a Revolução do Haiti, a Revolução Russa e a Revolução Cubana.

Ultima cena -  O ano: 2006. Local: estande de tiro da Academia de Polícia Civil. Treino de manejo de arma de fogo, com uns revólveres velhos, com o brasão do DOPS e o ano – 1965. Pensei em quantas pessoas aquela arma matara, quantas ferira, quem a empunhara. E quase desisti de entrar para a aquela instituição, que sempre abominara.









Vamos lá!

Minha família é uma família comum. Avós fazendeiros (lado paterno) e operários (lado materno). Segunda geração, cheia de professoras (normal, profissão “de mulher”) e professores. Agricultores, pecuarístas, comerciantes, um  detetive de Polícia Civil. Terceira geração: médicos, advogados, jornalistas, engenheiros, publicitários, empresários, bancários, professores. Duas Delegadas de Polícia.
Temos gente à esquerda, ao centro, à direita. Temos quem defenda o regime militar, e quem o abomine com unhas e dentes. Não temos nenhum torturado, nenhum preso político. 

Quando eu cursava a faculdade, era uma das árduas defensoras dos direitos humanos, ferrenha mesmo. Acreditava na Constituição acima de qualquer coisa. Na sala de aula, dois oficiais da PM, um detetive da Civil. Colegas que iam de ônibus, e colegas que iam de Audi. Aquele cadinho cultural e social que deveria ser toda sala de aula. Tive ótimos professores, que estimulavam o debate, e péssimos professores, que nos faziam dormir e/ou passar raiva.
Anos depois, já Delegada de Polícia, reencontrei alguns colegas, em um reencontro. Um dos oficiais estava presente, e achou o máximo eu ter entrado para a Polícia. Outro rapaz, namorado de uma colega, “paisano”, me cutucou: “você pagou a língua, hein, Renata?”. E eu: Como assim? Não entendi. Ele: “Mas logo você, tão defensora dos direitos humanos, virou polícia!” Eu, na lata: “Mas em que outro lugar eu poderia fazer mais pelos direitos humanos do que na polícia?” E aí, o colega militar concordou. Estávamos juntos, naquele momento, contra uma imagem que é comum: a polícia como a maior violadora dos direitos humanos.

Nesta semana, devido à discussão sobre o golpe, entrei em um microdebate com dois jovens (assim como eu, ou mais jovens!) policiais do meu Estado. Não discuti pelo twitter, não acho que lá caberiam todos os meus argumentos e mais que isso, minhas percepções sobre o tema.

O Marcelo Semer, Juiz de Direito, escreveu aqui, no dia 30 de março, sobre como a falta de punição aos torturadores do período de ditadura militar colabora para a continuidade dos abusos policiais na atualidade. (parentese necessário: alguns podem pensar que pelo fato de eu ser da Polícia Civil, eu minoro ou ignoro os abusos cometidos pela instituição. Não. Nunca. No entanto, não podemos esquecer que mesmo que o golpe tenha sido apoiado por alguns segmentos sociais, e tenha contado, como contou, com a participação de civis nas esferas de governo, não deixou de ser um golpe militar. Isso não é ofensa aos policiais militares, e não ignoro nem desconheço que houve sim, e muita, a participação da Polícia Civil no apoio e manutenção do governo de exceção (já escrevi sobre isso aqui)

O Thiago Beleza escrevera antes, aqui,  sobre o mesmo aspecto, sob perspectiva distinta.
E agora, tento eu, de outro lugar, escrever sobre o que penso e sinto sobre o mesmo tema.

Quantas vezes eu ouvi, de policiais civis, militares, federais e rodoviários federais, guardas municipais e principalmente, de cidadãos não operadores de segurança pública, que “antigamente é que era bom”.

Como assim? Muitas vezes, ouço isso de pessoas mais jovens do que eu!
Quando ouço pessoas como os filhos do Bolsonaro defenderem um regime sob o qual não viveram, fico passada. E penso: por que? Por que ainda ocorrem pensamentos assim?

E só posso pensar que é devido à falta de memória e de discussão aberta. Não me canso de ler e recomendar este texto. Se depois de discutido, no espaço público, e amadurecido o debate, ainda houver quem sinta saudade de regimes autoritários, sejam eles civis (vide Vargas, e olhem, ele voltou... ) ou militares, isso faz parte da democracia. Divergência, debate, coexistência de correntes antagônicas.
O que não pode persistir é o silêncio. E enquanto silenciamos sobre os fatos ocorridos no último período de exceção (1964/1985), silenciamos sobre os abusos cometidos hoje, em nome de uma (falsa) sensação de segurança. 

Em toda a América Latina, palco de golpes financiados pelo poderio norte-americano, mais ou menos violentos, a maioria dos países já abriu os arquivos e puniu os torturadores. Aqui, nem falamos em ditadura, afinal, perto da carnificina chilena, que matou Allende, dos assassinatos e sequestros em massa da Argentina, o que são nossos desaparecidos e mortos?
São filhas e filhos, pais e mães, irmãos e irmãs, amigos e vizinhos. Merecem o tributo da verdade, doa a quem doer.


Estamos em uma democracia jovem. Quantos períodos efetivamente democráticos tivemos desde a proclamação da República? Três ou quatro, que duraram menos de 20 anos. Estamos completando 22 anos da primeira eleição direta. Ainda temos que aprender a votar, aprender a cobrar nossos direitos e a respeitar nossas obrigações.

Tenho ainda esperança de que o Brasil vá conseguir seguir pelo caminho da democracia efetiva. Pelo caminho da igualdade e da divergência saudável e necessária.

Mas para isso, acredito sim, que além da punição aos torturadores e corruptos (ativos e passivos) do presente, é preciso punição aos torturadores do passado, que semearam essa mácula em nossa história, e que até hoje maculam a memória das instituições policiais, contaminando a formação policial e a própria atuação policial e judicial também!

A (as) policias ainda são usadas para reprimir manifestações legítimas sob o regime democrático. Quem leva a culpa???

Pela abertura dos arquivos, pela discussão e debate qualificados, pela memória e pela verdade.




P.S. Em qual regime ditatorial (de direita ou de esquerda) um servidor policial poderia escrever algo assim?

P.P.S:  tomei conhecimento de que a PMMG não comemora, ostensiva ou discretamente, o aniversário do golpe.  Mas creio que ainda existem professores nos cursos de formação que se referem ao episódio como revolução ou “golpe democrático”. Na Polícia Civil também. Já fui chamada de “comunista” e até hoje alguns policiais antigos e nem tanto, por motivos que vou lá eu saber, gostam de contar dos tempos (nem tão antigos) dos métodos “cemig-copasa-pirelli” de interrogatório. Pra quem não percebeu, choque, afogamente e porrada. Não aceito, não concordo e mesmo que eu, Renata, tenha vontade as vezes sim, de avançar em um pedófilo, em um agressor de mulheres ou em um latrocida ou torturador, eu, Delegada, jamais o farei. Isso é o que deve distinguir o profissional de segurança: o controle sobre as reações espontâneas e emocionais.