terça-feira, 18 de janeiro de 2011

Twister, a imagem de um pesadelo

No último domingão, estava sentada na frente da tv, com uma caneca de café, esperando acabar de acordar, com o controle da tv na mão, zapeando, topei com o filme "Twister" passando em algum canal.




E até hoje, quinze anos depois, a mera menção a esse filme me traz uma recordação péssima.


Eu tinha 19 anos, fazia cursinho, e era cinéfila, sonhava em fazer jornalismo para só trabalhar fazendo o que mais amava (ingenuidade...). Então, uma vez por semana, em geral, eu ia ao cinema, sozinha, na parte da tarde, que era mais vazia, antes de ir para a aula.

Já existia o Shopping Cidade, no centro de BH, mas nem sempre passava os filmes de que eu gostava, e além do mais, eu apreciava o clima de cinemão, tipo o Jacques, o Palladium, o Art Palacio, cinemas de rua. Me lembravam minha infância, assistir os filmes dos Trapalhões e depois lanchar na Torre Eiffel, ou na lanchonete da Lojas Americanas (ainda não existia rede de fast food no centro, só tinha o Bob's, lá na praça da Liberdade).



E aí, escrevendo o texto, percebo que já estou justificando porque eu gostava de ir aos cinemas do centro, em vez de ir ao do shopping... como se fosse preciso me explicar pelo ocorrido comigo, como se fosse culpa minha...

Bem, cut to the point: estava eu, de calça jeans, camiseta, tênis, mochila nas costas , livro na mão.
Comprei meu ingresso, entrei no cinema, não lembro se no Jacques ou no Palladium, mas foi em um deles.
Entrei, a sala enorme, vazia, dia de semana, à tarde. Começam os traillers, chegam os retardatários. Apagam-se totalmente as luzes, e começa o filme. Eu, concentrada, nem prestei atenção quando, na sala semi-vazia, senta-se uma pessoa na mesma fileira que eu.

O filme, para quem não sabe, é um desses disaster movie,  que conta a história de caçadores de ciclones, no meio-oeste norte americano. É extremamente barulhento, agitado. Lá pela metade, ocorre uma pausa, depois que um dos twisters do título passa por uma cidade e morrem algumas pessoas.

Foi nesse momento, em que o som diminuiu, que eu ouvi os gemidos vindos do lado. A pessoa, que sentara na mesma fileira que eu, havia se aproximado de mim, e estava a duas cadeiras de distância.
Gemendo. Se masturbando. Com o pênis pra fora, sem nenhum pudor.

O que eu fiz?

Levantei, mudei de lugar.

Ele?

Foi atrás! Sentou-se na fileira de trás!

Eu me levantei, catei minhas coisas, e sai da sala de cinema, puta de raiva.  Cheguei na bilheteria, e falei com a moça do caixa. E ela? Nada, nem aí. Eu, chorando, saí de lá, com ódio! De quem? De mim, por ser tão burra!

Quando saí do cinema, já na rua, com as lágrimas escorrendo, um homem de meia idade se aproximou e perguntou porque eu chorava. Eu fiquei com vergonha de dizer. E ele continuou, dizendo que eu era muito gostosa, e que sabia um jeito de me consolar!



Saí correndo, e ele riu.

Quando estava no ponto de ônibus, olhava com receio para todo homem que se aproximava. Quando sentei, o coletivo vazio, coloquei a mochila no assento vago, temendo que algum homem se sentasse.

E repassei o ocorrido, com mais calma.

Fiquei imaginando outros desfechos para a cena do cinema, com o masturbador anônimo.
Imaginei que eu levantava, pegava a mochila, pesada de livros, e tacava com toda a força na cabeça do cara, para ele desmaiar com o pau pra fora, e ser preso por ato obsceno.

Imaginei que em vez de não fazer nada, a funcionária do cinema chamava a segurança, e eles iriam tirar o cara da sala, passar-lhe um sabão, e expulsá-lo para sempre de lá.
 

O pior foi quando eu contei em casa. Minha mãe disse: "tá vendo no que dá, uma moça ir ao cinema sozinha?"

Essa história é só uma entre várias. Acho que todas as mulheres já passaram por algo assim.

E diante do pior que pode acontecer, a gente releva esses "incidentes", nem comenta. Enterra lá no fundo da alma, e segue em frente.

Mas até hoje, quando vejo ou leio sobre o filme,  me vem aquele gosto azedo na boca. Aquela vontade de vomitar toda a raiva em cima daquele sujeito, que não me lembro se era velho ou jovem, branco ou negro, careca ou cabeludo, gordo ou magro. Só me lembro que era homem. E que até hoje, me sobe uma ânsia quando estou sozinha e um homem desconhecido senta-se ao meu lado...


Atualmente, quando reflito sobre o fato, consigo perceber que não havia naquele sujeito a intenção de seduzir, ou impressionar. Ele não esperava que eu "caísse de boca", como em um filme pornô, ou que participasse de qualquer forma. Ele só desejava a minha passividade, e pior é que ele sabia que o máximo que eu ou qualquer mulher faria seria sair. Fugir. Porque para ele, e tantos e tantos outros, em maior ou menot grau de perversão, não somos pessoas. Somos vítimas, as ovelhas. E somos também as culpadas, afinal, quem mandou a gente estar sozinha no cinema, no ônibus, no bar, em qualquer lugar?



Tantas outras já escreveram sobre isso, inclusive, o post de ontem da Lola, que falou sobre as grosserias que as mulheres escutamos, as vezes antes mesmo de termos formas de mulher, e a Georgia, que falou sobre a angústia de sair sozinha.
   

Só quis compartilhar, e dizer que se isso acontecer com você, não é sua culpa. E você não tem que se envergonhar. Temos é que nos unir e fazer a sociedade perceber que quem tem que ter vergonha é o exibicionista, não a vítima. 
(eu tive que dizer isso prá mim mesma muitas e muitas vezes, e somente agora, depois de ler tantas e tantas blogueiras incríveis, reconheci essa verdade básica)

16 comentários:

  1. Aproveito para deixar um desabafo parecido.
    Eu tinha 11 anos e estava numa rua movimentada do centro de Pelotas (eu já ia ao centro fazer pequenos favores para a minha mãe, era atenta, responsável...) quando um homem, do nada, enfiou a mão no meio das minhas pernas e ficou me bolinando. Não consegui reagir. Ele era adulto, tinha o dobro do meu tamanho... E se divertia com a sensação e meu desespero. Todo mundo olhando. Ninguém fez nada para me defender. Eu só conseguia sentir vergonha e a culpa que os olhares todos me acusavam. Não chorei na hora e nem depois. Aliás, depois só sentia raiva. Até hoje quando passo naquela calçada vivencio o pânico e a vergonha que senti e me dou conta do nosso despreparo em qualquer idade para esse tipo de ataque.
    Não à toa me tornei feminista aos 19, 20 anos. Hoje com 39 ainda me sinto em perigo nesse mundo. Como faz para não sentir mais esse medo?

    ResponderExcluir
  2. Este comentário foi removido pelo autor.

    ResponderExcluir
  3. Acho que meu comentário não foi publicado pq ficou longo demais. Vou dividi-lo em dois.
    1) Ai, é uma desgraça isso. Acho que qualquer mulher que já foi ao cinema sozinha (ou às vezes acompanhada de outra menina) já passou por uma dessas. É incrível o número de caras que vão ao cinema se masturbar. Um cara já se masturbou do lado da minha mãe no Cine Belas Artes (esse que está ameaçado de fechar em SP), vendo um filme hiper deprê, passado em 3 partes, Berlin Alexanderplatz. Olha, nessas horas tem que sair e exigir que o cara seja expulso. Isso é atentado ao pudor. Tem que chamar o segurança. Se o cinema estiver cheio, se levantar e gritar pro cara: "Vai se masturbar longe daqui, seu verme".
    E isso de vc sair do cinema chorando e encontrar logo um outro idiota... Parece pesadelo. Mas aí eu me lembrei da vez em que fui atacada. Eu tb tinha 19 anos e fui ver Era uma Vez na América, que é um filme longo, de 4 horas. Pouquíssima gente no cinema. E aí vem um paspalho e se senta do meu lado. Eu me mudo de lugar. E aí vem outro. Olha, acho que eu tive que me mudar de lugar 4 vezes. É um tremendo desrespeito. Eu fui ao cinema pra ver um filme. É tão difícil pra um homem entender?

    ResponderExcluir
  4. 2) Aí peguei um ônibus e voltei pra casa. Era meia noite, a rua vazia, e eu quase na frente do meu prédio... quando sou agarrada por trás. Eu caio no chão, meus óculos caem, eu me levanto morrendo de ódio e parto pra cima do cara. E o covarde, ao ver a minha raiva, sai correndo. E eu saio correndo atrás dele, xingando.
    Chego em casa chorando, falo pro meu pai, ele liga pra polícia e desce pra rua, pra tentar pegar o sujeito. Nada.
    E eu tb não me lembro de NADA do tarado. Só que era homem.
    Aí vem carinha no meu blog dizer que deveríamos ficar felizes de sermos elogiadas.
    Abração, Rê.

    ResponderExcluir
  5. o que e tenho mais raiva eh que sempre achamos que a culpa eh nossa. eh a primeira reacao: achar que estavamos no lugar errado, com a roupa errada etc. e, como somos jovens, geralmente nao temos a reacao apropriada. esse eh um exemplo que pediria que voce, como a lola disse, gritasse, fizesse realmente um escandalo. mas, né... parece que ninguem tah nem aih, e eu nao ficaria surpresa se um policial na rua nao fizesse nada depois de voce ter contado o que aconteceu...

    ResponderExcluir
  6. Realmente acho que toda mulher tem uma história dessa pra contar. E quando a gente conta e fala do desespero, da vergonha (a gente sempre fala em vergonha), da raiva pra outra mulher ela compartilha a história dela.

    ResponderExcluir
  7. Este comentário foi removido pelo autor.

    ResponderExcluir
  8. Já aconteceu isso comigo no cinema também.
    No meu caso, o cara era um pedófilo, eu tinha uns 12 anos. Meu pai trabalhava no Espaço Unibanco, em SP, e tinha me levado pra passar o dia com ele lá. Adorava aquela lugar. Não lembro o filme que fui ver. Mas o cara (por volta de 55 anos)sentou-se na fileira q eu tava, com um pacte de amendoim. Percebi q ele vinha se aproximando de poltrona em poltrona, ate´chegar do meu lado e me ofereceu o que comia. Não aceitei, ele então insistiu e pegou minha mão e derramou uns amendoins. Me assustou com aquilo e mudei de lugar. Ele veio atrás e sentou do meu lado de novo. Mas dessa vez não disse nada, ficou quieto por uns 5 minutos e depois percebi q a respiração dele foi ficando afobada e entrei em desepero qdo vi q tava com a mão dentro da calça.
    Saí de lá correndo, tremendo, ele ainda passou a mão em mim qdo levantei. Fui pra bilheteria onde tava meu pai, assustado, mas não disse nada. Tive medo. Enqto mau pai vendia os ingressos vi ele entrar na livraria q tinha lá. Nesse dia o cinema tava cheio de crianças, tinha uma mostra infantil. Vai saber se houveram mais vítimas.

    Também achei q foi minha culpa. Na escola eu era chamado de menina. Achei q ele tinha me confudido com uma. Mas mesmo assim, um pedófilo desgraçado ele era. Me lembro direitinho e com nojo da cara dele...

    ResponderExcluir
  9. Li seu texto com um misto de revolta e vergonha. Revolta por todos esses seres que se acham humanos e agem de forma tão imbecil. E vergonha pq já escrevi e reescrevi um texto sobre os inúmeros assédios que sofri desde os 7 anos de idade e nunca publiquei. Amigos dizem: "nao se exponha" "se preserve" "esqueça isso". Como esquecer se a cada situação um pouco semelhante eu entro em pânico e fico paralisada de medo? Por mais que eu já tenha trabalhado com terapeutas essa "sina", meus olhos enchem de lágrimas quando recordo algumas dessas situações vividas?

    Obrigada por sua coragem. Mostrou bem minha covardia. ;-)

    Abraço,

    Adriana

    ResponderExcluir
  10. Eu devia escrever outro post para comentar os comentários... mas estou um pouco enrolada aqui, então por enquanto, vou comentar aqui mesmo.
    Primeiro, quero agradeçer as visitas, algumas tão ilustres ;D

    Thiago,
    Conhecer você pelo blog e pelo twitter já me fez pensar e repensar tanta coisa. Viver com você tem me feito colocar em prática muito do que pensava.
    Obrigada, seu lindo!

    Niara, sua linda!
    Não sei como faz para vencer esse medo. Quem sabe falando sobre ele, como a gente tem feito e usando os meios legais (na maior parte ineficazes, eu sei muito bem, mas a gente tem que usar a lei e fazer ela "pegar" de qualquer jeito!).

    Lola,
    Seu blog foi um dos que me inspirou a começar o meu (pretensãoo... rs), junto com o da Cynthia Semiramis. As inúmeras histórias me deram coragem para falar sobre isso, me expor dessa forma. E comentando sobre o blog com uma colega, delegada, ela me disse que até hoje, não consegue reagir quando é assediada de forma grosseira, e acha que ficaria muda. Ainda me disse que nunca havia pensado nisso, de a gente se sentir culpada e com vergonha, como se de alguma forma tivessemos dado causa ao fato. Dose. Gosto de pensar que se acontecesse hoje, eu iria partir para cima, mas, na verdade, não sei. Ainda mais sendo policial, sei bem das loucuras que as pessoas são capazes...

    Caso me esqueçam,
    Realmente, a sensação de vergonha e culpa é a pior parte, a gente fica com raiva de si em vez de direcionar ao agressor. Vamos seguir lutando para mudar isso,né?

    Karla,
    Realmente, infelizmente é verdade. Cada uma reage de um jeito, algumas até concordando com uma idéia de que é um elogio, ou a dimensão do quanto são "gostosas", etc. Minha tia me contou que já passou por isso em cinemas várias vezes, e minha mãe também me contou que já aconteceu com ela. Só que em vez de achar que o tarado estava errado, acreditou que ela é que estava, por estar desacompanhada de um homem em um cinema (ela nem estava sozinha, estava com as colegas do curso normal, isso na "segura" década de 60 em BH).

    Adriano,
    Que horrível. Não importa se você era confundido com menina, a questão é a fragilidade. Mulheres são vítimas até o fim da vida. Mas com crianças, não importa o sexo. O que interessa é a sensação de poder desses indivíduos. Que bom que vc compartilhou conosco, ajuda a superar. Grande beijo, seu lindo!

    Adriana,
    A questão de se sxpor, de ser a chata que superdimensiona tudo, afinal, ele nem te encostou a mão, o que tem de mais nisso, etc, é difícil de superar. Mas vc consegue, tenho certeza. Cada pessoa tem uma personalidade.
    Eu tive que crescer muito depois que entrei para a polícia. Foi um aprendizado enorme, continua sendo. E se por um lado, eu convivo muitas vezes com o pior da humanidade, por outro, aprendi a reagir e me impor, quando necessário. Nem sempre, claro, mas a gente descobre a força que há dentro da gente quando menos espera! Beijão!

    ResponderExcluir
  11. Oi Renata, que legal saber que vc também faz parte do grupo de blogueiras feministas e que como mtas de nossas colegas também está refletindo sobre seus problemas e vendo que somos vítimas e não cumplices dessas coisas que nos acontecem a todo o tempo, pelo simples fato de ser mulher. Parabéns pelo relato e continuemos firmes na luta!!

    ResponderExcluir
  12. poxa, é terrível pensar que assim que boto o pé na rua alguma coisa pode acontecer. nunca fui paranóica assim, até que um dia, no cinema, aconteceu a mesma coisa comigo. levantei, gritei e o cara saiu, mas o ódio ficou. nem pensei chamar segurança nem nada, fiquei pensando na atitude dO segurança ou dO policial...
    pode parecer que essas histórias vão ser vividas por muitas de nós, mas fico feliz da gente poder, pelo menos, ter o apoio umas das outras.

    ResponderExcluir
  13. um amigo meu passou teu link porque ele ficou curioso com o texto e tava fazendo uma enquete sobre quem tinha passado por situação semelhante. eu obviamente já passei. é engraçado como até hj quando coisas desse estilo acontecem a gente ainda fica se perguntando o passa pela cabeça da pessoa. eu cheguei a portugal a pouquíssimo tempo e outro dia fui assediada aqui nas ruas de forma extremamente grosseira. a diferença é que hj me sinto segura de responder. o problema que não adianta. gritar "sai daqui, seu louco!" e ainda ver um risinho debochado me faz ficar pensando o que passa pela cabeças dessa pessoas para achar que têm o direito de expor suas taras às mulheres. PQ EU TENHO QUE OUVIR ISSO? O QUE LHE DÁ O DIREITO DE FALAR O QUE BEM ENTENDE? Já favoritei teu blog e sou uma entusiasta de assuntos feministas! beijos

    ResponderExcluir
  14. desculpe os erros de português! me empolguei na escrita. beijos.

    ResponderExcluir
  15. Todas as mulheres tem uma história dessa pra contar, eu também tenho, na verdade até mais que 10. Inclusive um cara q tentou me agarrar na rua deserta as 5h da manhã enquanto eu estava indo trabalhar. Infelizmente me sinto de mãos atadas como muitas mulheres, escrava de comentários impertinentes e olhares que me dão nojo... Parabéns pelo blog! Estarei sempre por aqui.

    ResponderExcluir
  16. Renata, excelente post! Fico feliz cada vez que leio textos que 'destoam', que nos desarranjam, pq creio que é no caos que se estabelece uma nova ordem. Uma nova ordem baseada na liberdade de ir e vir sem ouvir uma piadinha abusiva ou um gesto obsceno. Obrigada pelos textos =)

    ResponderExcluir