Neste feriado sem graça, ao acordar e buscar o jornal, vejo, na
primeira página do "grande jornal dos mineiros", "imprensado" - perdão
pelo trocadilho - entre alguns pm's, o prefeito de Raposos. A
manchete: prefeito mal na foto.
Nas palavras do Min. Sepúlveda Pertence, a Lei 11.343/06, no
tratamento que deu ao usuário, gerou uma "despenalização, cujo traço
marcante foi o rompimento - antes existente apenas com relação às
pessoas jurídicas e, ainda assim, por uma impossibilidade material de
execução (CF/88, art. 225, § 3º); e L. 9.605/98, arts. 3º; 21/24) - da
tradição da imposição de penas privativas de liberdade como sanção
principal ou substitutiva de toda infração penal." (RE 430105 QO/RJ)
O legislador tratou o usuário como dependente, e a ele não impõe a
sanção corporal da privação de liberdade.
Impede também a detenção do agente, nos termo do §3ª do artigo 48, da
mesma Lei.
Ora, o que se busca é o tratamento e a recuperação do dependente. A
dependência química é reconhecida pela Organização Mundial de Saúde
como uma enfermidade incurável e progressiva, apesar de poder ser
estacionada pela abstinência.
Na CID.10 (Código Internacional de Doenças) a Dependência é definida
como um “Conjunto de fenômenos comportamentais, cognitivos e
fisiológicos que se desenvolvem após repetido consumo de uma
substância psicoativa, tipicamente associado ao desejo poderoso de
tomar a droga, à dificuldade de controlar o consumo, à utilização
persistente apesar das suas conseqüências nefastas, a uma maior
prioridade dada ao uso da droga em detrimento de outras atividades e
obrigações, a um aumento da tolerância pela droga e por vezes, a um
estado de abstinência física. A síndrome de dependência pode dizer
respeito a uma substância psicoativa específica (por exemplo, o fumo,
o álcool ou o diazepam), a uma categoria de substâncias psicoativas
(por exemplo, substâncias opiáceas) ou a um conjunto mais vasto de
substâncias farmacologicamente diferentes.”
Ainda que os instrumentos para o tratamento, inclusive "coercitivo" do
dependente sejam falhos, especialmente os oferecidos pelo aparato
estatal, e que o usuário eventual não se enquandre, inicialmente, na
classificação do dependente, não é isso que pretendo discutir.
Meu ponto aqui é a exposição midiática. Em diversos sítios da internet
a noticia esta veiculada, dando detalhes sobre a condução do autor do
fato, detalhes das declarações deste aos milicianos, uma exposição
desnecessária da intimidade do agente.
Não creio ser esse o papel da imprensa, não de uma imprensa
responsável, e muito menos da Polícia.
A cada dia, quando os desvalidos são expostos pela PM na Itatiaia, na
Record, no Super, e em outras mídias, me revolto. As vezes ficamos em
situações difíceis, pois fica complicado negar a um veículo o acesso
que outro já teve, mas mesmo quando permito a entrevista, é com o o
coração na mão, pois sei que na maioria das vezes deturparão metade do
que eu explicar...
Os pm's conduzem o indivíduo, favelado, rasgado, de chinelo, com treze
pedras de crack, cem reais trocado, uma balança "de precisão", e
trazem a família inteira conduzida junto, todos "presos em flagrante
por associação para o tráfico", nas palavras do comandante da viatura.
E o reporter fica satisfeito, e busca o melhor angulo para exibir
aquele estereotipo clássico do "bandido", e já imagina a manchete:
Família de traficantes é presa pela PM!
Ninguém espera para saber onde estava a droga, e como foi encontrado o
dinheiro: a droga a três casas de distância, e o dinheiro, tiveram que
juntar as quatro pessoas da família para conseguir a absurda quantia
de cem reais, que "provava" que eles estavam "envolvidos com o
tráfico". E o delegado, obviamente, não flagra ninguém... mas o que
importa? Afinal, a "PM prende e a Civil solta" mesmo....
Não conheço o prefeito de Raposos. Não sei se ele é dependente, se é
usuário eventual. Não sei de sua orientação sexual, de sua reputação
como administrador público.
Não estou defendendo legalização, descriminalização, nada. Tenho meu
posicionamento quanto a estes aspectos, nas não foi esse o objetivo da
postagem, e sim questionar, mais uma vez, os absurdos midiáticos da
PM. Se eu fosse o prefeito, ou familiar dele, entraria contra o
Estado, contra a imprensa, contra o PM que tirou aquelas fotos.
Tá, vão dizer que ele estava em local público, que não pode querer
preservação da sua intimidade se praticou o ato em local público, etc.
Mas o que ele falou com os milicianos, falou com o Estado. O Estado
não pode agir como particular, e expor a imagem do particular dessa
maneira.
Abs e bom feriado!!!
Já nessa semana que passou, tive que apresentar à imprensa informações sobre um fato policial ocorrido em Contagem.
E nas duas manifestações midiáticas às quais tive acesso, o jornal e a televisiva, percebi traços dessa mesma manipulação.
Fica difícil acreditar na imprensa, quando temos experiências concretas demonstrando que a edição pode mudar tudo.
A televisiva não ficou ruim, mas no tablóide, editaram de forma a só deixar o sensacionalista, sem atentar para as inúmeras possibilitades de criar uma discussão válida sobre a nossa cultura de violência.
Decepcionante...
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